Quer desistir da compra de seu imóvel? Confira algumas dicas para não sofrer abuso no distrato imobiliário.
Principalmente por conta da crise, centenas de consumidores vêm sendo obrigados a desistir da compra de seus imóveis por terem sofrido alteração em suas condições econômicas e, consequentemente, dificuldades para adimplir as parcelas assumidas.
A realização do “distrato” com a construtora, na grande maioria das vezes, tem causado embaraços ao consumidor.
É prática comum das construtoras exigir do comprador um alto valor a título de multa, normalmente com a perda de grande parte, senão todos os valores pagos como entrada de negócio. Temos observado contratos que preveem a retenção de percentuais que variam de 20% até 85% dos valores pagos, de forma totalmente abusiva.
O maior problema nesses casos ocorre quando, para formalização da desistência, as construtoras passam a exigir um percentual sobre o valor atual do imóvel e não sobre o valor pago, ou seja, se o seu imóvel está avaliado em R$500.000,00, uma simples multa de 20% poderá chegar a R$100.000,00. O consumidor perde o valor inicialmente pago e ainda fica devendo um alto valor à construtora, que poderá acioná-lo judicialmente.
Outro ponto importante, normalmente não percebido pelo consumidor quando realiza o distrato, é que a construtora devolverá somente os valores pagos diretamente a ela, deixando de fora os valores repassados a título de comissão de corretagem os quais, via de regra, representam um significante percentual do valor inicialmente pago (são aquelas transferências ou cheques nominais exigidos para assinatura do contrato e repassados a diversas pessoas diferentes). Esses valores representam cerca de 5% a 8% do valor total do imóvel.
São muitos os casos em que o comprador não tem mais condições de pagar as parcelas, porém, não consegue agendar a realização do distrato com a construtora, seja por falha dos canais de comunicação ou pelo próprio desinteresse da empresa.
A consequência é que as parcelas em aberto serão acrescidas de juros e multa, em determinados casos as quotas de condomínio começam a ser cobradas e então, o consumidor se vê diante de uma enorme dívida, com seu nome incluído no SPC/SERASA, mesmo tendo a construtora colocado o seu imóvel para vender novamente.
Por fim, ainda que seja acordado a devolução de um percentual razoável da quantia paga (até 25%), na grande maioria das vezes a devolução é condicionada ao pagamento parcelado do valor, podendo ser dividido em até seis ou dez pagamentos pela construtora, prática essa totalmente ilegal, na medida em que o valor pago deve ser devolvido em uma única parcela.
O que a lei prevê nesses casos e quais medidas o consumidor pode tomar?
A abusividade das situações é inequívoca, já que o contrato leonino impõe ao consumidor uma pena extremamente desproporcional.
O consumidor que quer desistir da compra do seu imóvel não deve aceitar imposições abusivas por parte das construtoras, uma vez que estas não estão autorizadas a reter percentuais superiores a 25% do valor pago pelo consumidor sendo que, judicialmente, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que o percentual não deverá ultrapassar 10%.
“A jurisprudência da Quarta Turma tem considerado razoável, em princípio, a retenção pelo promitente vendedor de 10% do total das parcelas quitadas pelo comprador, levando-se em conta que o vendedor fica com a propriedade do imóvel, podendo renegociá-lo.” (cf. Acórdão 4ª Turma do STJ no recurso especial nº85.936/SP, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira);
A cobrança de multa pela desistência em percentual sobre o valor do imóvel é totalmente abusiva, além de reter todos os valores pagos pelo consumidor, restaria um residual altíssimo, pois o percentual cobrado estaria incidindo sobre O VALOR DE MERCADO IMÓVEL, em vez de incidir apenas sobre o valor das parcelas adimplidas. Essa prática caracteriza o enriquecimento ilícito por parte das construtoras.
A inserção de cláusula que prevê a devolução parcelada do valor efetivamente pago em benefício da empresa incorporadora, mesmo que expressamente estipulada em contrato é nula de pleno direito, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada.
A abusividade é ainda maior se considerarmos que, o empreendedor poderá negociar o imóvel objeto do contrato e obter o preço total do bem com a nova venda.
O repasse ao consumidor do pagamento de comissão de corretagem só é permitido se de fato tenha havido a contratação de uma imobiliária, ou seja, é necessário que ocorra efetivamente o serviço de intermediação (aproximação de vendedor e comprador). Se o consumidor foi até o local do empreendimento e foi recepcionado por corretores, o repasse da corretagem é indevido e mesmo aquele que desistiu da compra do imóvel, poderá requerer a sua devolução através de uma ação judicial.
Importante, se ocorreu o atraso na entrega da obra, o consumidor tem garantido o direito de requerer a rescisão do seu contrato e obter a restituição de TODOS OS VALORES pagos, sem sofrer qualquer retenção por parte das construtoras. Mesmo nessa hipótese, ou seja, desistindo da compra, é cabível a indenização por danos materiais e morais, podendo o valor a receber pelo consumidor alcançar patamares bastante elevados, entre R$20.000,00 até R$80.000,00, em média.
O consumidor deve ficar atento se optar por desistir da compra de um imóvel na planta, pois corre o iminente risco de se tornar devedor de uma grande quantia indevida, sendo imprescindível que recorra ao Judiciário a fim de obstar tal prática abusiva por parte das construtoras.
Para esse tipo de ação judicial, é possível que sejam requeridos pedidos de urgência em que o juiz proíbe a construtora de continuar cobrando as parcelas, determina a exclusão do nome nos cadastros de restrição de crédito, sendo possível também que seja determinada a imediata devolução de valores.
É bastante comum as construtoras realizarem acordos com os consumidores para devolução de valores logo que são acionadas judicialmente. Mas, é imprescindível que o consumidor esteja assessorado por um profissional com especialidade na área, garantindo assim a solução do problema sem a ocorrência de abusos.
Gilberto Bento é advogado, contabilista e sócio do Bento Jr Advogados.